Transdisciplinaridade e a Arte de Lima de Freitas


No dia 22 de agosto, o MuBE e o CETRANS, em parceria, promoveram a palestra Transdisciplinaridade e a Arte de Lima de Freitas proferida por João da Cruz Alves, arquiteto do Patrimônio Histórico e Artístico de Portugal. Na sua exposição ele mostrou a trajetória artística e pessoal do pintor, escritor e visionário organizando sua obra nas fases: Nigredo, Albedo, Rubedo e Dourado, e explicou o significado do caminho alquímico e iniciático percorrido pelo pintor ao longo de sua vida e refletido em toda sua obra de artista transdisciplinar.

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Lima de Freitas


Essas diferentes fases tiveram características bem definidas: na primeira fase, o Nigredo, coincide com pinturas apocalípticas que mostram pouca luz e cores escuras, grandes espaços povoados de seres amontoados e disformes evidenciando um caos interior que se expressa nas suas telas e a Queda; no Albedo, já começa aparecer a luz e cores mais claras e vibrantes, poucas figuras, espaço mais organizado e uma paisagem onde a Natureza já começa a se mostrar em seu esplendor; no Rubedo, sua trajetória vai se tornando mais iluminada e seus temas começam a enveredar por temas míticos e suas pinturas, então, se enchem de simbolismo e mostram seu interesse e conhecimentos em geometria sagrada influenciado por José de Almada Negreiros, grande estudioso do tema. Finalmente, a última fase, a Obra em Dourado, apresenta temas luminosos com paisagens cósmicas visionárias fartamente iluminadas e temas míticos lusitanos que ele resgata expressando o essencial de uma série de mitos lusos – que se encontram na Lucitania, a terra da luz e que está localizada no Ocidente, território fantástico e arquetípico de onde todas as coisas emergem e que permite o surgimento do nosso ser inteiro.

Seus temas principais foram inicialmente o povo e suas contradições, seguidos da Natureza e seus ciclos, os mitos clássicos e seus respectivos mitemas, os símbolos universais, e a partir dos anos 70 a Geometria Sagrada e os mitos originais lusitanos e desse território ele vai trazer uma série de imagens estampadas em painéis de azulejo que se encontram na estação de metrô/trem do Rocio no centro de Lisboa onde estão representadas as principais figuras da história de Portugal.

Lima de Freitas se interessou por muitos assuntos durante sua vida e que se refletiram na sua obra como a psicologia arquetípica de Jung estudando exaustivamente os símbolos e os arquétipos, as obras esotéricas do Oriente e suas diferentes vertentes e cujo centro de interesse era revelar os “estados múltiplos do Ser” segundo a concepção de René Guénon, a Geometria Sagrada quando retomou a obra de Almada Negreiros escrevendo um livro sobre o assunto, além de estudos na área da Antropologia do Imaginário na linha de Gilbert Durand que estudando o Homem, identificou em todas as culturas uma unidade composta de dois registros, um diurno e um noturno. Lima, em toda a sua obra, utilizou sempre esses dois registros: o que via e vivia de dia (o consciente) e o que vivia e sonhava de noite (o inconsciente).

Lima de Freitas explorou temas universais como o Graal, o Espelho, o Labirinto, a Rosa e a Cruz, o Homem Encoberto, o Livro Fechado, o Amor Eterno além dos grandes temas da Geometria Sagrada e dos mitos da sua terra. Suas obras pictóricas expressavam uma profunda consciência da ruptura do espaço-tempo dando à Natureza uma dimensão cósmica onde a Natureza não é simplesmente a natureza que se vê, mas a Natureza da Natureza onde o Homem tem seu lugar. A Natureza tem nas suas obras uma alma própria, ela é um território físico que é também um território mítico onde existem espaços de ruptura e paradoxalmente se constitui numa grande unidade. Ao lado das grandes obras de pintura que produziu, escreveu diversos livros como Pintura Incômoda, Almada e o Número, Imagens da Imagem, Porto do Graal, O Labirinto, etc.

Sua pintura se coloca entre um realismo e uma surrealidade mística que segundo ele “é uma contínua investigação do tema, um realismo simultaneamente voltado para o social e alimentado pelo inconsciente”.

Vitória Mendes de Barros